Segue as apurações sobre desembargador do Estado por manter empregada em condição análoga à escravidão

Após denúncia recebida contra o desembargador de Santa Catarina Jorge Luiz Borba, continua a investigação sobre ele manter uma mulher em condições análogas à escravidão por mais de 30 anos em sua casa localizada em Florianópolis. Ela foi resgatada na última sexta-feira (9) e acolhida por uma entidade que presta assistência social e psicológica.

De acordo com o MPT (Ministério Público do Trabalho), o magistrado mantinha a mulher como empregada doméstica por mais de 30 anos. A operação foi deflagrada ainda na última terça-feira (6), pelo órgão.

Testemunhas foram ouvidas na fase preliminar da investigação, o que fundamentou a obtenção pelo MPF (Ministério Público Federal) de mandados judiciais do STJ (Superior Tribunal de Justiça) para fiscalizar a casa.

Ainda conforme o MPT, Sônia Maria de Jesus tem 50 anos, é surda e vivia em um abrigo de crianças de São Paulo quando foi retirada do local pela sogra do desembargador aos 9 anos de idade. No início da adolescência, época em que a primeira filha dos investigados nasceu, ela foi entregue ao casal e passou a conviver com a família.

O órgão aponta que, mesmo com a família alegando que sempre foi tratada como membro do núcleo, Sônia nunca teve instrução formal, não aprendeu a ler e escrever e não foi alfabetizada na Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Além disso, informa que a mulher se comunicava de forma precária por meio de gestos simples, só entendidos por quem convivia com ela dentro da casa, e não possuía convívio social fora do ambiente da família.

A  assessoria do desembargador Jorge Borba alegou, por meio de nota, disse que Sônia passou por quatro tentativas de ensino de Libras. A primeira entre 1980 e 1981, outra entre 1997 e 2000, e a última durante 2009 e 2010.

“Nestes 35 anos, junto ao núcleo familiar do Jorge Luiz Borba, a Soninha participou de várias oficinas de artesanato, colagem, trabalhos manuais diversos, com o intuito de entretenimento e também de desenvolvimento motor”, afirma a assessoria.

Diferente dos filhos biológicos do casal, o MPT informa que ela passou a ter planos de saúde, CPF (Cadastro de Pessoas Físicas), RG (Registro Geral) e título de eleitor apenas em 2021. Antes, o único documento era a certidão de nascimento.

“Plano de saúde ela tem há 4 anos, mas sempre houve assistência à saúde, ela sempre foi a médicos, tanto aqui quanto em Blumenau, muitas pessoas da família são da área médica e faziam o acompanhamento dela”, complementou a assessoria, que também encaminhou laudos de exames laboratoriais.

Os mandados de busca e apreensão na casa de Jorge Borba e de sua esposa foram cumpridos pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, com participação de auditores-fiscais do Trabalho, vinculados ao MPT, MPF, DPU (Defensoria Pública da União) e Polícia Federal.

Na ocasião, a fiscalização reforçou indícios do crime presentes na denúncia e que foram confirmados por testemunhas ouvidas na fase inicial da apuração.

Conforme relatos, a vítima realizava tarefas domésticas como arrumar camas, passar roupas e lavar louças, sem receber salário nem direitos trabalhistas.

Na ocasião, testemunhas disseram que a mulher dormia nas dependências de empregadas domésticas tanto na casa do casal, em Blumenau, antes de o magistrado de tornar desembargador, quanto na residência em Florianópolis. Assim como também apontaram que Sônia costumava fazer as refeições na cozinha, junto de demais empregados da casa.

Ainda por meio de nota, Jorge Borba negou as acusações de trabalho análogo à escravidão em sua casa e também os maus tratos sobre os quais é investigado.

“Todos os esclarecimentos estão e continuarão sendo prestados à exaustão para evidenciar que a denúncia apresentada não condiz com a verdade. A família Borba, desde o primeiro momento que foi surpreendida com a diligência da Polícia Federal no último dia 6, tem como principal foco de preocupação o bem estar físico e emocional de Sonia Maria de Jesus, a Soninha, que possui deficiências de cognição, fala e audição. Acreditando que a verdade prevalecerá e tudo será esclarecido, reitera sua total disposição em colaborar com a Justiça”, complementou.

Segundo o MPT, Sônia foi resgatada na última sexta-feira (9) e acolhida por uma entidade que presta assistência social e psicológica. Além disso, ela também será inserida em entidade filantrópica especializada na alfabetização e na socialização de pessoas surdas para que possa interagir com outras pessoas, desenvolver atividades lúdicas e desportivas e aprender a se comunicar em Libras.

O MPT e a DPU poderão propor TAC (termo de ajuste de conduta), cobrar o pagamento de dívidas trabalhistas em conjunto com os auditores-fiscais do MTE e ajuizar ação civil pública em caso de recusa de assinatura do TAC.

Além disso, o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) aponta que vai produzir autos de infração e liberar guias para que a mulher receba três parcelas do seguro-desemprego. O órgão federal também poderá inserir o desembargador no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão (a “lista suja”).

Ainda conforme o MPT, todas as documentações serão encaminhadas ao MPF para providências cabíveis na esfera criminal.

O desembargador e sua família destacaram, por meio de nota, que se surpreenderam com a operação e negaram o tratamento análogo à escravidão para Sônia.

Além disso, alegaram que tentarão regularizar a situação familiar e ingressar com o pedido judicial para reconhecimento de filiação afetiva, ou seja, identificação de paternidade/maternidade e garantir “inclusive, todos os direitos hereditários”.

Assim como afirmam que acatarão todas as sugestões propostas pelo poder público e que pretendem colaborar com “todas as instâncias administrativas e judiciais” para permitir “a retomada da convivência familiar”.

O TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), por meio de nota, confirmou que o desembargador Jorge Borba compareceu, na última quarta-feira (7), à sessão do Órgão Especial e prestou esclarecimentos sobre o caso.

“Reiterando o asseverado por ele, em nota pública, no sentido de que a moça em referência, surda-muda e com déficit cognitivo, foi acolhida por sua família, com tenra idade, há mais de 30 anos. A apuração dos fatos, no entanto, por força de disposição constitucional, cabe ao STJ e ao CNJ [Conselho Nacional da Justiça]”, complementou o TJSC.