Após indícios de tortura e violência na abordagem de pessoas em situação de rua, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o Município de Balneário Camboriú está descumprindo a decisão colegiada da Suprema Corte na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 976. A decisão determina à União e a todos os Estados e Municípios a aplicação da Política Nacional para a População em Situação de Rua e proíbe a remoção e o transporte compulsório de pessoas.
A partir dos fatos comunicados pelo Ministério Público catarinense, o Ministro Alexandre de Moraes – relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 976 – determinou a intimação da Procuradoria-Geral da República para ciência e manifestação.
A comunicação foi feita em um ofício encaminhado pelo Ministério Público, acompanhado de vídeos e relatos de que as pessoas têm sido agredidas e “despejadas” de Balneário Camboriú, os quais demonstram que as pessoas em situação de rua no Município têm sido alvo frequente de política higienista e atos de tortura.
No ofício, a Promotoria de Justiça informa a existência de uma ação civil pública na qual foram impostas ao Município medidas congêneres àquelas determinadas pelo STF e na qual foi noticiado que – apesar de medida liminar em contrário – agentes municipais seguiriam “atuando de forma indevida e violenta em face das pessoas em situação de rua, com o fim de promover higienização social para remoção forçada dos indesejados a outras localidades, inclusive para internação compulsória (de forma ilegal) em Comunidade Terapêutica (local inadequado)”.
O Juízo da Comarca de Balneário Camboriú inclusive determinou, na ação civil pública, a aplicação de multa pessoal aos gestores municipais – Prefeito, Secretário Municipal de Segurança Pública, Secretária Municipal de Desenvolvimento e Inclusão Social e Diretor do Departamento de Promoção Social – no valor de R$ 10 mil para cada condução coercitiva de pessoa em situação de rua que o Município tornar a fazer.
Relatos de violência
Entre os relatos de violência está uma que teria sido praticada contra um homem com deficiência, que teria sido abordado pela Guarda Municipal de Balneário Camboriú enquanto esperava a chuva passar embaixo de um viaduto. Segundo relatos, por ter sido confundido com “pessoa sob efeito de drogas” ele passou a ser agredido pelos agentes da Guarda Municipal, que ainda teriam cortado seus cabelos e roupas antes de o abandonarem desmaiado com marcas de corda no pescoço, em Itajaí, à beira da BR-101.
Outro rapaz que afirmou que, após sair do serviço com uma colega, os dois ficaram sentados na calçada conversando, quando chegou o “resgate social” e os levou à força para dentro do veículo da abordagem, onde já estavam outras pessoas recolhidas. O denunciante diz, assim como os outros recolhidos, que foi levado a uma rua escura, agredido com socos e golpes de cassetete e atingido por spray de pimenta. Quem não tinha endereço fixo em Balneário Camboriú teria sido despachado para outras cidades, conforme relatou a vítima.
Também foram apresentados relatos assistentes sociais, psicólogos e orientador social de Biguaçu, para onde estariam sendo levadas pessoas recolhidas nas ruas de Balneário Camboriú. Um deles é o de um homem de 42 anos que afirmou trabalhar em uma obra na praia de Laranjeiras e ter sido abordado enquanto dormia na rodoviária de Balneário Camboriú. Disse que foi colocado com outras pessoas em uma van e encaminhado à força para uma comunidade terapêutica de Biguaçu. Falou, ainda, que foi impedido de sair do local para poder voltar.
O mesmo destino teria tido um homem de 33 anos que trabalha em um supermercado em Balneário Camboriú e acabou dormindo na rua após ingerir bebida alcoólica. Alega que foi acordado por pessoas que o levaram até Biguaçu. Disse que ouviu alguém comentar que o Secretário de Segurança municipal estava fazendo uma varredura na cidade.
Após a comunicação nos autos do descumprimento da decisão liminar, a Promotoria de Justiça prestou atendimento presencial a um homem que afirmou ter sido abordado na madrugada por Guardas Municipais e servidores da abordagem social, que o colocaram à força dentro de uma van e o levaram para a Casa de Passagem do Migrante. Durante todo o caminho, conforme suas declarações, teria tido uma arma apontada para a sua cabeça. Chegando ao local, teria sido agredido pelo Diretor de Abordagem Social e ameaçado para que se dirigisse na BR-101 no sentido de Itajaí, e não a Balneário Camboriú. Segundo ele, ao seguir a pé no sentido de Balneário, foi atingido por um tiro de bala de borracha, supostamente disparado por um dos Guardas Municipais, momento em que fugiu na direção de Itajaí.