O julgamento de Camila Fernanda Franca Pereira foi marcado por uma reviravolta improvável. Ela foi absolvida na terça-feira (12) pelo Tribunal do Júri, após ser acusada de sedar e matar seu marido, o empresário Gustavo Alberto Sagaz, com 36 facadas em agosto de 2023, em Florianópolis. Inconformado, o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) irá recorrer pela anulação do júri.
Nesta quarta-feira (13), o Promotor de Justiça André Otávio Vieira de Mello afirmou que foi feita uma interpelação ao TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) pela anulação do júri e pela realização de um novo julgamento.
“A justiça ainda não foi feita. A decisão do júri contraria o que foi apresentado no julgamento, então interpelamos ao TJSC para que seja feita uma nulidade posterior à pronúncia”, proclamou Mello.
A sessão de julgamento, que durou cerca de 14 horas, reconheceu Camila como a autora do assassinato do marido, mas a absolveu da condenação pelo crime. Como a decisão ainda não foi transitada em julgado, ainda cabe recurso por parte da promotoria.
Camila comunicou o desaparecimento do marido no dia seguinte ao crime. Ela disse que Gustavo iria para Rio do Sul a fim de comprar um motor e que portava R$ 40 mil em dinheiro. As perícias identificaram que Gustavo foi sedado antes do crime e morreu em casa. Além disso, o celular também ficou em casa no período de desaparecimento da vítima.
A filha do casal, de três anos, viu o pai ser agredido pela mãe nas coxas com um “pau” semelhante a um metal. A partir das imagens das câmeras instaladas no Parque Estadual do Rio Vermelho, próximo à praia do Moçambique, a polícia reconstituiu os passos dos criminosos.
A investigação aponta que Camila não teria capacidade física para carregar o corpo até a praia e a suspeita é de que teve ajuda para isso. As imagens do parque revelam que o empresário foi levado ao local na própria camionete, modelo Nissan Frontier.
Conforme o advogado de Camila, Alessandro Marcelo de Sousa, o depoimento da cliente mudou tudo. Camila contou que o marido estava endividado com alguns homens envolvidos com organizações criminosas. Na versão da ré, foram esses homens que teriam cometido o assassinato de seu marido.
Camila relatou que, enquanto estava presa preventivamente, no decorrer do processo, ela teria recebido ameaças de morte, vindas dessa organização, para não revelar o verdadeiro culpado. Ela justificou, por temer pela própria vida, não revelaria o nome de quem seria o culpado. “Esses elementos foram relevantes e, com certeza, influenciaram na decisão dos jurados”, declarou Sousa.
Sousa admitiu que, segundo investigação da polícia, a filha do casal, de três anos, viu o pai ser agredido pela mãe nas coxas com um “pau” semelhante a um metal — o qual a acusação aponta que seria, na verdade, uma faca. Esse episódio teria embasado a tese de que Camila teria motivações para matar Gustavo.
No entanto, o advogado reitera que não foram apresentadas provas concretas que ligassem essas motivações ao crime de fato. “Não há comprovação de que a agressão testemunhada pela filha tenha sido no mesmo dia da morte dele. Inclusive, a filha em nenhum momento relatou ter visto sangue, apenas ‘pauladas’”, expressou Sousa.
Camila era acusada não só por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima), mas também por ocultação de cadáver, já que o corpo de Gustavo foi descartado em uma área de vegetação.
A alegação de que o assassinato foi cometido por homens a quem Gustavo devia não convenceu o júri, o qual reconheceu que a autora do crime, de fato, foi Camila. Entretanto, ela foi inocentada da acusação de ocultação de cadáver, após a defesa argumentar que ela não tinha capacidade física para carregar o corpo do marido até o local onde foi descartado.
A votação do júri, em relação ao homicídio, foi feita em três quesitos:
- Primeiro quesito: o crime ocorreu e Gustavo foi esfaqueado até a morte – 4 votos favoráveis, zero votos contrários. Decisão: Gustavo foi assassinado a facadas;
- Segundo quesito: Camila é a autora das facadas – 4 votos favoráveis, 2 votos contrários. Decisão: Camila assassinou Gustavo;
- Terceiro quesito: Camila deve ser condenada pelo crime – 4 votos contrários, 3 votos favoráveis. Decisão: Camila não cumprirá pena pelo crime.
Por maioria, Camila foi absolvida da condenação, apesar de não ter sido inocentada do crime. Segundo Sousa, a votação de cada jurado é secreta e eles não são obrigados a apresentar as motivações de seus votos, fazendo com que Camila tenha sido absolvida por quesito genérico.
A absolvição por quesito genérico se dá quando o júri responde à terceira pergunta sem apresentar motivação, mesmo tendo reconhecido a ocorrência e a autoria do crime.
“Vale destacar que a decisão do júri foi feita com base nas provas e nos argumentos apresentados durante o julgamento, não foi por acaso. A defesa rebateu ponto a ponto todos os elementos de acusação”, ressaltou Sousa.
Segundo Mello, a decisão dos jurados de reconhecer Camila como autora do crime, ao mesmo tempo em que a absolveu da condenação, é uma contradição. Ainda, por ela ser apontada como a autora das facadas, a argumentação da defesa de que foram outros homens que mataram Gustavo não pode ser levada em consideração.
“Ela argumentou que foram homens ligados a uma organização criminosa que cometeu o crime e que ameaçou ela caso entregasse, mas não elaborou. O júri também não comprou essa versão, tanto que não inocentou ela”, analisou o promotor.
Apesar de Sousa ter afirmado que a decisão não contraria o que foi apresentado nos autos, Mello discorda desse ponto.
“Nos autos, comprovamos que ela esteve na caminhonete dele após o crime e que ela esteve na área onde o corpo foi descartado. Também mostramos que ela levou o carro a um lava jato para tentar limpar as evidências e ainda ficou com o celular dele por alguns dias. Mas a decisão do júri contrariou o que foi apresentado”, afirmou Mello.
Caso o pedido do MPSC seja aceito pela justiça e a anulação do júri seja efetivada, um novo júri deverá ser formado e as acusações de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver deverão passar por um novo julgamento.
“A justiça é o reclamo da sociedade. Estamos recorrendo a essa decisão e pedimos anulação do júri. A materialidade do crime já foi reconhecida e a ré tem que cumprir a pena devida”, concluiu Mello.